Manuscritos do Silêncio

"O silêncio é capaz de expor um lado da humanidade que nem milhares de palavras seriam capazes de descrever." Sisá Fragoso - Manuscritos do Silêncio

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Neve! - Daisuki yuki to daisuki Yuki mo.



Tokyo – Japão
20 de Setembro de 2011

Fazia poucos minutos que eu havia chegado ao colégio. A manhã estava um pouco fria, mas a temperatura não muda o fato de que o uniforme feminino é composto por uma saia. Não me incomodava. Nasci e cresci aqui.
Estava sentada em meu lugar, quieta, apenas lendo para matar o tempo antes da aula começar. Não fazia questão de manter amizades importantes, então além do “bom dia” eu pouco falava com os outros.
Me rotulavam esnobe. Eu achava que era apenas calada demais para a idade. Aos 17 anos, estava no último ano do colégio. Os cabelos castanhos compridos até a cintura e uma franja que beirava meus olhos escuros.
- Sakurako. – Alguém me chamou pelo sobrenome. Logo reconheci a voz e decidi ignorar. Não demorou em que quatro garotas com maquiagem excessiva e a saia curta demais cercarem minha mesa.
- Ei, falei com você.
- O que é? – Virei a página do livro, sem olhar para nenhuma delas.
Hina e suas fiéis seguidoras eram o típico grupinho de meninas mimadas que se acham as rainhas do colégio. Nada disso, na verdade.
- Ontem fomos à uma doceira depois das aulas e vimos uma garota muito parecida com você. – Eu notava o cinismo em sua voz.
- Não era eu. – Minha voz baixa, minha expressão vazia. Há anos eu havia deixado de me importar com o que era dito por qualquer uma delas.
- Sabemos que não era. Porque aquela garota estava acompanhada do namorado. E ninguém nunca viu o seu. – Ela ria.
Embora não deixasse transparecer nada para elas, eu parei de ler. Os olhos fixos embaralhando as letras a minha frente. Apertei a capa do livro para evitar uma leve tremedeira nas mãos.
- Como explica isso, Sakurako? Eu olhei o seu perfil na rede social e não há fotos, ou mensagens, nem nada. – Aquela que servia como braço direito de Hina falava. – Admita este seu tal namorado maravilhoso simplesmente não existe.
Pretendia continuar ignorando. Para minha sorte soou o sinal do inicio das aulas, e as quatro bonecas Barbie voltaram para seus próprios lugares. Respirei fundo e fechei o livro, me preparando para mais um dia de aula.
O Diretor entrou na sala e logo fui lembrada de que nosso antigo professor de inglês havia se aposentado e hoje teríamos um novo professor. Foi-nos dito que embora o novato fosse formado há pouco tempo, era excelente no trabalho. A porta deslizou novamente e o novo professor entrou.
Um homem alto, com um corpo atlético. Cabelos loiros incomuns para um japonês. Olhos verdes e um pouco frios, sérios demais. Ele não teria mais que vinte e cinco anos. Assim que ele entrou, as garotas começaram os cochichos e suspiros pelo belo professor, enquanto os rapazes se irritavam com toda atenção dada à aparência do homem. De minha parte, a reação foi de absoluto choque. Fiquei em pé em um susto, a cadeira deslizou para trás com um irritante barulhinho.
- Yuki... – Pensei no nome, enquanto meus olhos arregalados não desviavam do novo professor.
- Senhorita, algum problema? – O Diretor parecia assustado com minha reação, e todos observavam, alguns rindo.
- Não senhor. Desculpe. – Envergonhada tornei a sentar.
- Bom dia. Meu nome é Yuki Takashi. Serei o novo professor de vocês na matéria de inglês. Se tiverem perguntas, façam agora. – A voz de Yuki era tão fria quanto seus olhos, e isso o tornava ainda mais charmoso.
Hina logo levantou a mão. Ao ter a palavra, sua voz saiu melosa e forçada.
- Desculpe a intromissão, mas quantos anos o senhor tem?
- Vinte e três. – Ele foi direto. Novamente os cochichos começaram. – E adiantando próximas perguntas... Me formei na universidade há 1 ano e meio, desde então me tornei professor.
Um dos garotos levantou a mão, e Yuki lhe permitiu falar.
- Professor Takashi, a cor do seu cabelo é natural?
Algumas meninas repreenderam o garoto pela pergunta intrometida. Yuki simplesmente sorriu. Se qualquer um ali soubesse o quão raro isso é, teria se assustado com o gesto simples.
- Sim, é. Meu pai é japonês, mas minha mãe não. Herdei sua cor de cabelo, todo o resto é de meu pai. – Ele esperou. As conversas baixas continuavam, mas nenhuma outra pergunta foi feita. – Se isto é tudo, comecemos a aula.

O primeiro período de aulas acabou. Yuki deixou a sala para o professor da próxima matéria seguir com o ensino. A manhã se arrastou, e minha agonia aumentava. O sinal do almoço soou assim que relógio atingiu o meio-dia e meia. Apressada fui até a sala dos professores.
- Professor Takashi. – Chamei com educação, enquanto Yuki conversava com outros professores.
- Diga. – Seco.
- Posso falar com o senhor? – Desviei os olhos para os outros professores que agora me observavam. – Sobre algo na matéria desta manhã.
- Deixe suas dúvidas para minhas aulas, senhorita. Não para o horário de almoço.
Presa aos bons modos e a boa educação me limitei a concordar e sair da sala. Pelo resto do dia estive em todas as aulas, ao menos fisicamente, afinal, meus pensamentos estavam muito longe.

Quando as aulas terminaram, juntei minhas coisas com um desanimo profundo. Hina e as amigas tornavam a me provocar, mas desta vez eu nem ao menos prestei atenção no que diziam. Vesti meu casaco e saí sozinha.
Cruzei o pátio com a cabeça baixa, olhando para meus próprios passos. Segui pelas ruas de costume enquanto o por do sol tingia o céu de laranja. Não queria voltar para casa. Minha mãe havia morrido anos antes e graças ao trabalho meu pai morava em outra cidade. Eu vivia sozinha, com o dinheiro que meu pai enviava todos os meses.
Parei no parque no caminho de casa e fiquei por ali. Algumas crianças ainda estavam por ali brincando, sendo vigiadas por seus familiares. Sentei em um balanço desocupado e simplesmente fiquei ali.
Meus sapatos faziam círculos na areia sob o balanço, e o vento enrolava modestamente meus cabelos nas corretes do brinquedo. Ficava olhando o nada. Em minha mente corriam memórias recentes, palavras ditas, decisões tomadas. Me sentia vazia e prestes a quebrar.
Quando o sol foi embora não demorou para a chuva cair. Insistente e fria, mas eu não queria me mover. Continuei ali. Algum tempo depois meu corpo tremia de frio e decidi ir para casa. Levantei do balanço e voltei para a calçada. Poucos passos até parar subitamente.
Alguns metros a frente, um homem estava parado na calçada. Vestia um terno preto simples, era alto, jovem e bonito. No canto de seus lábios um cigarro pendia aceso. O guarda-chuva o mantinha o mais seco possível. Nos encaramos por alguns segundos. Comecei a andar na direção dele, com hesitação, temendo que ele se afastasse, mas ele continuou ali, e não se importou quando eu o abracei com força, derrubando seu guarda-chuva e fazendo com que ele também terminasse totalmente molhado.

Meia hora depois daquele encontro no parque, estava eu sentada na entrada do apartamento daquele homem que me encontrou na chuva. Ele havia sumido no fim do corredor alguns minutos antes.
- Vai acabar doente com essas roupas molhadas. – Ele trazia uma toalha e uma camisa social pertencente a ele. Não respondi, nem parei de olhar para o chão. – Reiko. Você morreu?
Continuei quieta. Sentia que a mera tentativa de falar traria lágrimas aos meus olhos. Preferi o silêncio. Admito que assustei quando a toalha foi lançada contra mim e caiu em minha cabeça, fazendo uma cortina para meu rosto. Ele deixou a camisa dobrada no chão, perto de meus pés.
- Não sou sua babá. Se quer ficar aí, fique. – Logo ele deu as costas e sumiu por uma porta à esquerda.
Alguns podiam imaginar que ele fosse apenas grosso e cruel, sem motivos ou nada além disto, mas na verdade, por trás de suas palavras ríspidas sempre havia preocupação e afeto. Sorri ao pensar nisso. Usei a toalha para me secar, e tirei o uniforme molhado, o trocando pela camisa, que para mim mais parecia um vestido de mangas longas.
- Yuki... – Parei na porta da sala, olhando o homem sentado no sofá com o jornal diante dos olhos e o cigarro entre dois dedos.
Ele olhou por cima das páginas para mim. Seu olhar constantemente frio não deixava forma para descobrir o que ele pensava. Diante do silêncio dele, continuei.
- Por que está dando aulas na minha escola?
Yuki continuou me olhando com frieza. Dobrou o jornal e se levantou, andando para perto de mim com uma das mãos no bolso e a outra segurando o cigarro. Assim que estava perto o bastante, tirou a mão do bolso e segurou meu queixo, forçando meu olhar para cima.
- Me ofende. Até parece que não sabe minha forma de pensar.
- Essa é a sua vingança. – Sussurrei, novamente repassando cenas antigas em minha mente. De uma forma quase sinistra, Yuki começou a falar exatamente o que estava em minha mente.
- Reiko, há dois anos, quando você não quis se mudar com seu pai, eu pedi que fosse comigo para Nagoya apenas por seis meses. – Sua mão em meu queixo apertava, e eu tremia. – Eu me formaria e voltaria para Tokyo. Você tomou suas decisões sozinha.
- E então você decidiu terminar comigo. – Conclui nosso passado confuso.
Assim aconteceu. Meu pai queria que eu fosse com ele. Eu queria ficar em minha cidade. Yuki se ofereceu para morar comigo aqui, mas eu teria que passar seis meses fora, aguardando sua formatura. De forma egoísta recusei suas intenções. Eu não o culpava por suas escolhas.
- Você é idiota? – Seu olhar estreitou ainda mais e pela primeira vez ao lado de Yuki eu senti medo. Sua mão apertou mais e por reflexo olhei seus dedos.
Lágrimas vieram aos meus olhos imediatamente. Yuki me segurava com a mão direita, e em seu dedo reluzia o anel prateado idêntico ao que eu carregava em meu bolso. Anéis gêmeos comprados três anos antes após nossos quatro primeiros meses de namoro.
- Minhas palavras exatas naquele dia foram: Não aceito sua escolha, mas se quer assim, assim será. – Sua mão afrouxou e se tornou uma caricia leve. – Jamais eu disse que não a queria mais.
Sem forças nas pernas, me ajoelhei bem ali. Escondi o rosto com as mãos enquanto um choro guardado há muito tempo vinha para fora.
- Você nunca ligou, ou deu qualquer notícia. – Minha voz saia às vezes alta, às vezes baixa, confusa e rouca. – Você apenas sumiu.
Yuki se abaixou à minha frente. Senti seus dedos deslizarem pelo meu cabelo e sua testa encostar-se à minha.
- Você me queria longe.
Naquela noite não consegui falar mais nada. Todos aqueles meses de solidão e angustia vieram para fora em um choro sofrido. Não sei por quanto tempo estive entre os braços de Yuki, mas adormeci.

Acordei assustada com o som do despertador. Levei alguns segundos para entender onde estava. A cama grande em um quarto espaçoso, cercada por um armário de portas espelhadas e um sofá de tecido negro. Todos móveis conhecidos por mim. O alarme ainda soava e com surpresa notei meu atraso.
- Escola. Ai meu deus... – Puxei o uniforme dobrado na ponta da cama e comecei a vesti-lo. Só então percebi que o uniforme estava seco e arrumado.
Um bilhete ao lado com a letra de Yuki dizia que era melhor eu correr e não perder a aula dele no primeiro período se não quisesse ficar de castigo. Sorri para o papel e voltei a me arrumar às pressas.
Por sorte Yuki morava mais perto da escola do que eu, assim evitei atrasos naquela manhã. Estava de bom humor e feliz como não conseguia ser em muito tempo, mas algo tinha que dar errado.
- Olha só quem parece animadinha hoje. – Hina bloqueava minha passagem pelo corredor. – O que aconteceu, Sakurako?
- Teve um encontro falso com seu namorado de mentira? – A amiga de Hina provocava, seguida pelos risos das outras.
Ignorei e tentei passar, mas Hina me empurrou contra a parede.
- Pare de ser achar, sua sonsa! Inventa isso de um namorado perfeito e lindo por que não tem capacidade de arrumar namorado nenhum. Garotas como nós, lindas e ricas é que merecemos namorados como esse que você inventou.
- O que está acontecendo? – A voz grave fez as quatro garotas se afastarem. Yuki vinha pelo outro lado do corredor.
As três seguidoras de Hina baixaram a cabeça envergonhadas e ela própria falava baixo.
- Não foi nada, professor. Apenas dizia para Reiko-chan que ela não devia faltar à aula como pensava em fazer. – Hina era uma mentirosa perfeita e não fazia questão em disfarçar o quanto se sentia atraída pelo novo professor.
Senti os olhos de Yuki congelarem sobre mim e virei o rosto com pesar. Nem sempre é fácil se fazer de forte, e com ele ali eu provavelmente começaria a chorar.
- Para a sala. Agora. – Sua voz veio quase ameaçadora. As quatro correram para dentro e eu continuei ainda imóvel. Quando Yuki falou comigo sua voz era mais calma. – Eu ouvi tudo. Respire fundo e vá para sala.
Concordei com a cabeça e em passos lentos entrei na sala de aula até meu lugar. Por todo este tempo, não falei em Yuki pois ele havia sumido. Agora eu poderia jogar na cara de Hina que o homem que ela tanto queria já era meu, mas... No fundo eu sabia que Hina jamais acreditaria em mim ou se acreditasse Yuki seria prejudicado por ser um professor com relação com uma aluna. Eu não podia fazer nada.
Durante o almoço não senti vontade de sair da sala, e tão pouco dei atenção à qualquer das aulas. Queria apenas desaparecer dali. No fim da tarde, quando todos já iam embora, vi Yuki cercado por Hina e suas seguidoras. Todos riam como se fossem os melhores amigos. Yuki entregou à Hina um envelope e as garotas logo saíram saltitando e dando gritinhos. Não sei porque, mas aquilo doeu em mim.

Na manhã seguinte parecia fazer mais frio que de costume, mas isso não impediu Yuki de aparecer com uma idéia boba vinda do nada. Com bastante esforço ele conseguiu me tirar da cama e me arrastar até a piscina municipal. Em Tokyo não temos praias de verdade, mas a piscina é fechada, cercada por areia e a água possui ondas. Resumido, uma mini-praia climatizada. Mesmo sendo inverno, lá dentro estaria um calor infernal.
Deixei Yuki na água e segui até o bar para comprar algo gelado. Voltava com dois copos de suco quando alguém me empurrou e atirou um dos copos ao chão.
- Ora, Reiko Sakurako... – Hina vestia um biquini mínimo, assim como as três ao seu redor. – Desculpe derrubar seu suco. Aposto que um deles era para o seu namorado imaginário.
- Boa tarde. – Não precisei me virar para saber que Yuki estava parado atrás de mim.
As quatros garotas logo começaram a se insinuar e falar de forma melosa diante da visão do tão amado professor sem camisa e completamente molhado.
- Professor! Boa tarde. – Hina quase abraçava a si mesma tentando fazer seus seios parecerem maiores. – Se quando nos deu os ingressos para a piscina tivesse nos dito que também viria, nós teríamos lhe acompanhado para que não viesse sozinho.
- Não vim sozinho, senhorita Ayaka, mas agradeço sua preocupação. – Yuki logo chegou mais perto de mim. – O que houve com o suco?
- Nada eu só... – Olhei com o canto dos olhos para Hina. – Tropecei.
- Hum. Tudo bem, dividimos o outro. – Quando o braço de Yuki me envolveu pela cintura e ele se abaixou até alcançar o canudinho colorido no copo, Hina e suas amigas perderam o fôlego. – Algum problema?
- Professor, não sei se deveria tratar com tanta gentileza uma de suas alunas. As pessoas poderiam interpretar de forma errada.
Yuki a encarou em silêncio por um breve instante. Seus olhos passaram pelas quatro meninas ainda surpresas com o fato do amado professor estar me abraçando por trás.
- Você tem razão, mas não estamos na escola. Estou em meu dia de folga. Não vejo razão para não me divertir com minha namorada, não é? – Talvez só eu tenha notado a provocação em seu tom de voz e em suas palavras.
- O que disse? Namorada?
Eu queria simplesmente começar a rir. Hina de repente ficou pálida e achei que ela iria desmaiar. Yuki tranqüilamente apoiou o queixo no topo de minha cabeça, dada nossa diferença de alturas, e com a maior calma do mundo respondeu à garota.
- Sim. Minha namorada. Há três anos. – Ele se inclinou para falar comigo. – Nunca disse nada sobre mim na escola?
- Até disse... – Não conseguia parar de olhar para as quatro garotas prontas para ter um infarto.
- Ah é! – Ele cortou minhas palavras. – Lembrei que eu não passo de um namorado imaginário. Não é isso, senhorita Ayaka?
Hina gaguejou sem saber o que dizer. Por anos ela me provocou e humilhou insinuando que meu namorado era uma mentira, e lá estávamos nós, todos juntos, e eu tendo o prazer de saber que ela estava se remoendo em uma inveja profunda. Sem mais o que dizer, Yuki me puxou para longe, ignorando a presença das outras quatro. Poucos momento depois percebemos que éramos observados e apenas por provocação Yuki me ofereceu um longo beijo. Imagino que o coração de Hina deve ter parado no mesmo instante.
- Então era isso. Deu ingressos para elas virem até aqui hoje, e me trouxe para que elas vissem você comigo e descobrissem a verdade.
- Não sei do que está falando. – Yuki era assim. Sempre grosso e frio, mas igualmente preocupado e afetuoso. Um complexo enigma que apenas eu sabia decifrar.

No mesmo dia passamos em minha casa. Juntei algumas poucas coisas e comecei a morar no apartamento de Yuki. Aos poucos traria todas as coisas e venderia meu antigo lar, mas isso pouco importava agora.
Eu estava deitada, pensativa, quando ele saiu do banheiro enrolado em uma toalha, logo procurando pelos cigarros.
- O que foi?
- Como vai ser agora, Yuki? Com certeza a Hina vai contar sobre nós para o diretor da escola. Você será demitido. – Minha preocupação é sincera.
Ele deixou o cigarro de lado e caminhou até a cama, sentando-se ao meu lado. Seus dedos deslizaram pelo meu cabelo e seu raro sorriso estava ali.
- Reiko, você se forma em um mês. Logo não será mais uma aluna minha. Não se preocupe com isso. – Ele desviou os olhos para a janela e seu sorriso aumentou. – Está nevando.
Yuki deslizou para baixo das cobertas e me puxou para seus braços. Por longos minutos trocamos beijos e carícias na noite fria.
- Gosto da neve tanto quanto gosto do Yuki.
Ele riu do trocadilho que há anos eu fazia para animá-lo e me senti bem.
Assim continuamos. Pelo mês seguinte não fui mais perturbada na escola, e pelo que sei o diretor nunca soube de meu envolvimento com o professor de inglês. Me formei e entrei para faculdade de História. Yuki continuou sendo professor na mesma escola, e nós dois continuamos morando juntos.
A neve pode ser fria, mas ela é sempre tão linda.

~ FIM ~

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O outro lado da história: Esperança!



Naquela manhã todo o reino de Millus pode ouvir o trotar acelerado do cavalo negro. Muitos saíram de suas casas imaginando problemas nos portões, mas quando o cavaleiro sumiu na passagem das muralhas todos retornaram à suas vidas normais.
Millus era um reino de porte médio, a vista de todos nas planices oeste do Novo Continente. Uma terra de pacifistas, mas que sabiam como defender seus ideais. Sua rainha há muito havia falecido, o que tornou o Rei um homem de pulso firme e pouca tolerância, um contraste marcante com a Princesa tão meiga e amável.
Quando um ancião trajando um manto marrom subiu a pequena colina à leste dos portões, pode ver o cavalo negro amarrado ao grande carvalho.
- Bons ventos o trazem, cavaleiro. – Disse com ânimo sincero.
- Conselheiro Heder! – O cavaleiro logo se sentou em respeito ao homem mais velho.
Heder era o melhor amigo do Rei, e por conseqüência assumiu o cargo de Conselheiro Real. Querido pelo povo de Millus, o sábio velho já havia visto e ouvido de tudo.
- Fico alegre em vê-lo vivo, jovem Merluz. – Heder aproximou-se do cavalo negro e o acariciou lhe dando iguais boas vindas. – Peço sinceras desculpas por não participar da comemoração de seu retorno, mas estive ocupado. Quando voltou?
Andrew Merluz, um jovem que não vira mais que vinte e três invernos e ostentava aparência bela além de um coração nobre e ideais sonhadores. Seu pai fora o comandante do exército real, e hoje Andrew ocupava tal posto com bons motivos.
- Faz quatro dias. Dispenso seu pedido de desculpas, Conselheiro. Sei que seus afazeres não são poucos.
O jovem calou, não sentindo muita vontade em conversar. Logo pela manhã sua conversa não havia sido amigável com a Princesa. Bom... não haviam tido conversas amigáveis desde seu retorno. Queria apenas pensar um pouco. Respeitava o sábio, mas agora procurava apenas a solidão.
- Sua saída do castelo esta manhã foi ruidosa. Parece-me chateado, jovem Merluz. Gostaria de saber o porque. – Heder ostentava de forma integral o jeito de avô afável, o que fazia com que todos lhe desabafassem.
- Não agüento o comportamento de Salima. – O cavaleiro era alguém fechado demais, e mesmo quando se abria ao conselheiro, mantinha os olhos no horizonte. – Isso não é forma de me tratar.
Salima Millihataway, a Princesa de Millus. Uma jovem de boa aparência e longos cabelos escuros. Desde muito nova obrigada a assumir posturas e afazeres que deveriam ser de alguém muito mais velho. A moça encontrava uma fuga na companhia de Andrew, seu melhor amigo, seu cavaleiro, seu amor.
- Explique melhor. – Pediu o Conselheiro.
- Há semanas estou longe, lutando pelo reino. Uma sorte continuar vivo. Regresso sonhando com a ternura e sorrisos da mulher que amo, e encontro apenas um bloco de gelo que vê falhas em tudo o que faço ou digo. – Os dedos do cavaleiro bagunçaram o próprio cabelo e ele apertou os olhos. – Ela não devia me tratar desta forma. Vi coisas horríveis em batalha, companheiros mortos... Salima deveria me receber com uma amabilidade sem igual. Essa já não é a mulher por quem me apaixonei.
O silêncio reinou por alguns segundos que pareceram horas. O vento soprou na colina e a voz do Conselheiro veio ligeiramente menos gentil.
- Nunca me pareceu um rapaz egoísta, jovem Merluz.
- Que disse? – Andrew logo assumiu uma postura agressiva perante o ancião.
- Compreendo todos seus motivos para desejar os braços da mulher amada a cuidar de seus ferimentos, mas você vê apenas as coisas pelo seu lado. Esteve longe de Millus por muito tempo, cavaleiro. Aqui aconteceram muitas coisas. Salima foi forçada a tomar decisões e demonstrar uma sabedoria muito além de sua idade. Isso mexe com as pessoas. Se busca alívio para os seus ferimentos, deveria também enxergar os dela.
Andrew refletiu sobre as palavras de Heder. Algo em seus olhos parecia mudar. O cavaleiro não estava mais irritado com as atitudes de sua Princesa, mas a mágoa pelos últimos dias iria durar ainda muito tempo.
O cavaleiro levantou-se em silêncio e começou a desfazer o nó que prendia a cela de seu cavalo à árvore.
- Salima mudou. Já não há forma de trazer minha alegre e amável Princesa de volta. Apenas resta a Dama de Gelo e eu só lamento.
- Ora, não sabia que minha Princesa havia falecido. – O tom brincalhão voltava à voz de Heder, embora o assunto continuasse sério.
- Do que está falando?
- Você fala como se Salima estivesse morta e outra mulher houvesse tomado seu lugar. Você desiste da mulher que ama sem pensar no que ela passou em sua ausência nem em quantas noites ela esteve em claro olhando o horizonte à espera de seu retorno para ampará-la nas horas mais difíceis. – Heder cruzou os braços sob o manto e encarou o horizonte. – Situações inevitáveis da vida forçaram a Princesa a construir um muro impenetrável em torno de si mesma. Um muro que ninguém jamais conseguiria ultrapassar. Salima sofreu demais por toda a vida e esta foi à única forma que ela encontrou para evitar ser completamente destruída. Esta tática de auto-sobrevivencia não te lembra alguém, jovem Merluz?
O cavaleiro se calou diante da indireta. O Conselheiro sorriu com sua razão e continuou a falar.
- Sua Princesa está dentro desta muralha, Cavaleiro. E a “Dama de Gelo” é apenas a sentinela dos portões. Salima, como a conhecíamos, não deixou de existir. Ela apenas está perdida dentro de si mesma. Se a considerar morta e aceitarmos esta Dama de Gelo, então ela estará mesmo morta. “Não há forma de trazer minha Princesa de volta”. Há, jovem Merluz, mas você terá de se esforçar, escalar a muralha, ou talvez quebrá-la por inteiro, arrumar uma forma de resgatar a Salima que está perdida ali.
- Não sei se posso... – Andrew sussurrava com os olhos confusos.
- Se justo você, o Cavaleiro Negro de Millus, desiste de procurar a Princesa dentro dela mesma... Então é o Reino quem lamenta.
Heder esboçou um triste sorriso e deu as costas ao cavaleiro, começando a caminhar rumo aos portões de Millus. A voz de Andrew o fez parar.
- O que devo fazer?
- Salima não morreu, jovem Merluz. Não desista dela. – O Conselheiro sorria com gentileza. – Se ela mudou em sua ausência, sua presença a mudará novamente. Tenha esperança, cavaleiro.
Quando o Conselheiro voltou a caminhar, Andrew não o deteve. Começava a entender as palavras do ancião. A princesa era a mesma, apenas de uma forma diferente, e não uma outra pessoa. Se Salima se fechou do mundo com medo de cair, ele venceria as defesas daquela muralha de gelo e diria para sua alegre Princesa que ela nada teria a temer com ele ali.
Andrew jurou, anos antes, durante sua ordenação, que como Cavaleiro Real, faria tudo o que fosse possível pela segurança da família real, e jurou em segredo para sua Princesa, que faria ainda mais para manter o precioso sorriso da mulher amada.
O cavaleiro montou no cavalo negro e correu para o castelo. Havia muito trabalho a ser feito. Ele sabia que nos primeiros dias desta sua nova missão pessoal, a Princesa seria fria e rude, mas pouco a pouco... Bloco após bloco... Ele cruzaria a muralha e chegaria à mulher de sua vida.
Se aquela não era Salima, ele a traria de volta. Aprendeu isso na guerra, mas aplicaria no amor: Mesmo ferido, não abandone seus ideais, lute. Sempre siga em frente, pois mesmo que o mundo caia em trevas, a esperança estará brilhando.

~ FIM ~