Manuscritos do Silêncio

"O silêncio é capaz de expor um lado da humanidade que nem milhares de palavras seriam capazes de descrever." Sisá Fragoso - Manuscritos do Silêncio

sábado, 2 de julho de 2011

Genoma!



__Os anos passam e o mundo muda para pior. Seja pela ação humana, ou pela ação da natureza, não é segredo para mais ninguém que a existência neste planeta se torna cada vez mais difícil. Diante disto um grupo de cientistas de diversos países se reuniu em uma base subterrânea e deram inicio a sociedade Genoma.
__Os planos da Genoma não visavam o resgate do planeta, mas sim tornar os humanos adaptados aos novos modos de sobrevivência. Mas as pesquisas da Genoma iam alem da teoria, e experimentos começaram a ser feitos em humanos. Curiosamente pessoas vinham desaparecendo em diversos locais.
__Foi um desses desaparecimentos que levou Leila, uma garota de 14 anos a cruzar o país, até Los Angeles. Acaba de chegar à cidade e não conhecia nada nem ninguém.
__- Vou começar procurando um hotel. -  Leila tinha o cabelo escuro e liso, era comprido mas agora estava preso em um rabo de cavalo. Uma pequena bolsa vinha atravessada de seu ombro esquerdo até a coxa direta, e era claro que trazia poucas coisas ali.
__Uma confusão lhe despertou a curiosidade. Perto de onde estava, dois homens altos e fortes arrastavam e chutavam um outro homem para fora de uma propriedade. O homem arrastado fazia ameaças, e seus agressores nada diziam.
__- Suma! – Foi tudo o que foi dito por um dos agressores, enquanto o homem era atirado ao chão e rolava alguns metros.
__Ninguém parecia se importar com a situação, visto que Leila fora a única a correr até o homem.
__- Minha nossa! Você está bem? – Se ajoelhou ao lado do homem que tentava ficar sentado, cuspindo uma vez no chão para livrar a boca do sangue.
__- Estou. – Disse, enfim levantando o rosto.
__Leila sentiu o rosto esquentar diante daquele homem, ou melhor, rapaz. Ele não devia ser muito mais velho que ela própria. Tinha olhos verdes e o cabelo loiro estava bagunçado.
__- Isso sempre acontece. – Sorriu e Leila perdeu o fôlego.
__- Sangue. – Só conseguiu dizer.
__- Como? – O rapaz estava confuso, mas logo sentiu a linha escorrer pelo canto da boca. – Ah. – Levantou a mão para limpar, mas um lenço branco já tinha sido encostado em sua face. – Obrigado.
__- Jesse! – Alguém vinha gritando pela rua.
__Um grupo de outros três rapazes, mais ou menos da mesma idade que o rapaz chegavam perto.
__- Jesse, está bem? – Um perguntou ofegante.
__- Estou. Estou. – Respondia o jovem loiro enquanto segurava a mão do amigo para levantar.  – Me desculpem. Eu não consegui nada.
__- Relaxe. Ao menos você foi jogado para fora, e não para dentro. – Dizia outro dos jovens. Cruzou os braços e olhou para a menina. – E esta, quem é?
__- Bom...Eu não sei. – Respondeu Jesse, agora olhando para ela, como todos os outros.
__- Leila. – Ela falou. – Meu nome é  Leila. Eu passava por aqui quando vi o que aqueles homens fizeram.
__- Muito prazer, Leila. Sou o Jesse. – O loiro estendeu a mão. – Estes são amigos meus. Lucio, Arthur e Henri.
__- Oi. – Disse a menina, segurando com alegria a mão estendida de Jesse. – Ah. Já sei. – Começou a mexer em sua bolsa até encontrar um papel retangular. – Estou procurando essa pessoa. Deveria estar nesta cidade. Já a viram por aqui?
__Jesse e os outros olharam fixamente para a fotografia de uma mulher, e não se lembravam de já tê-la visto.
__- Não. Acho que não a vi. – Jesse desistiu de forçar a memória.
__- Por que a esta procurando? – Questionou Henri.
__- Ela sumiu. Veio para esta cidade a negócios, e deveria ter voltado há 4 dias. Não sei onde ela está.
__- Quem é ela? – Paul falava pela primeira vez.
__- Minha mãe. – Baixou o rosto.
__- Você disse que ela desapareceu? – Lucio, evidentemente o mais sério do grupo, não demonstrou pena da menina.
__- Sim. O hotel onde ela estava me informou que ela saiu na data marcada, mas não tornaram a vê-la.
__Os quatro jovens começaram a trocar olhares, como se conversassem claramente por meio dos olhares. Foi Jesse quem quebrou o silêncio.
__- Leila, quantos anos tem?
__- 14. – Respondeu.
__- Você é muito nova para ficar andando sozinha pela cidade. Venha conosco.
__Leila não pensou que poderia ser perigoso, não pensou em nada. Apenas queria seguir Jesse onde fosse.
__Foi levada até  uma casa que em algum momento havia sido muito bonita e luxuosa, mas agora seu interior estava cheio de poeira e móveis cobertos pro enormes panos brancos. Apenas algumas partes estavam livres da poeira, provavelmente os locais onde os quatro costumavam sentar-se e andar.
__Jesse a guiou escada a cima, e tirando uma chave do bolso destrancou uma porta branca repleta de flores cor-de-rosa pintadas na madeira. O interior do quarto estava impecavelmente limpo, e quase tudo era em tons de rosa e branco, com enfeites bonitos e brinquedos que manteriam uma criança ocupada por semanas.
__- Você pode ficar aqui. – Jesse sorria com sinceridade, mas era claro que evitava olhar o interior do quarto.
__- Espero que perdoe minha curiosidade e intromissão, mas quem morava aqui? – Perguntou, sentando-se a ponta da cama fofa e tirando a bolsa do ombro.
__- Uma família rica morou aqui. A filha mais nova ocupava este quarto. Mas um dia invadiram a casa. O pai da menina fazia parte em algumas pesquisas, mas havia se tornado contra os métodos de seus colegas e retirou-se do projeto. – Jesse encostou-se ao batente da porta e cruzou os braços, olhando Leila, e continuou. – Mas acharam que ele deveria continuar e foi uma grande confusão. Quando a casa foi invadida, alguns homens imobilizaram o pai da menina, e diante dos olhos dele assassinaram sua esposa, e filho mais velho, e sua filha mais nova foi levada para tomar parte nas pesquisas. Ele perdeu a razão diante da  brutalidade dos ex-colegas e se matou. Mas o filho mais velho ainda não tinha morrido. Ele acabou sobrevivendo ao ataque e resolveu ir atrás da irmã mais nova.
__Leila estava triste pela história daquela família, e começou a correr os olhos pelas coisas do quarto. Parou o olhar sobre uma fotografia emoldurada onde se via uma menina pequena agarrada à cintura de um garoto um pouco mais velho. Leila fez a pergunta óbvia, mas a resposta foi inesperada.
__- Quem é esse? – Segurava a foto nas mãos.
__- Sou eu. – Jesse nada mais falou e retirou-se do quarto, encostando a porta.
__Leila se entristeceu ainda mais. Pouco depois havia adormecido na cama da irmã mais nova de Jesse.
__Horas depois, quando já havia escurecido, Leila acordou e saiu do quarto, procurando por alguém. Encontrou Jesse no que seria a biblioteca da mansão. Estava lendo um grosso livro de capa lisa.
__- Ora. Boa noite. – Ele fechou o livro, retirando o óculos de finas lentes, evidentemente usados apenas para a leitura.
__- Está tão silêncio.
__- Hahaha. Sim. Lucio e Henri saíram. Arthur esta dormindo. Se todos estivessem aqui seria a maior barulheira.
__Leila sentou-se em uma poltrona e iniciou uma conversa com Jesse. Falaram de coisas banais e até um pouco sobre o passado triste de Jesse. Leila também contou que era filha única e seu pai havia falecido quando ela era um bebê. E descobriu que Jesse tinha 20 anos.
__Acabara de cochilar na poltrona e Jesse lhe cobria com um leve lençol quando alguém bateu a porta e entrou, falando baixo diante da visão da menina adormecida.
__- Jes. Melhor vir aqui. – Lucio estava mais sério que o normal.
__Do lado de fora da biblioteca Jesse e Lucio se reuniam na sala, vendo Henri descer com Arthur.
__- Bom. – Henri começou. – Como Jesse pediu, eu e Lucio fomos até os muros da Genoma e vigiamos a saída e entrada dos internos em treinamento.
__- O que descobriram? – Jesse cortou a fala do amigo.
__Lucio tirou um papel amassado do bolso da jaqueta e o abriu sobre a mesa.
__- Isso.
__Uma foto do campo de treino da Genoma focava no rosto de uma mulher que possuía marcas evidentes de tortura e operações médicas. Suspirou com pesar e declarou o que todos sabiam.
__- É a mãe da Leila.
__Por algum tempo conversaram e decidiam o que deveriam fazer. As votações foram unânimes e Leila foi trazida até a sala.
__- Leila, já ouviu falar da empresa Genoma? -  Jesse estava sério.
__- Não. – Respondeu.
__- A Genoma... -  Arthur começou. – É um centro de pesquisas fundado por cientistas internacionais. A proposta deles é adaptar a vida humana as adversidades naturais que vivemos, como tipos de clima e tipos de solos.
__- Isso não é bom? – Leila questionou.
__- Costumava ser. – Lucio falou. – A idéia era boa, mas os pesquisadores iniciaram experimentos humanos. Expuseram humanos à temperaturas negativas, calores infernais, ambientes inundados, terrenos secos, e outras diversas torturas. Fizeram mudanças cirúrgicas na tentativa de alcançar seu desejo.
__- Que horror... – Sussurrou. Em um momento arregalou os olhos e virou-se para Jesse. – Jesse, sua família...
__- É. A família dele. – Lucio finalizou enquanto Jesse desviava o olhar.
__- Todas as nossas. – Henri disse. – Todos tivemos parentes levados para a Genoma, que jamais retornaram.
__- Nós, assim como outros, formamos grupos de resistência com a intenção de invadir e destruir a Genoma, antes que isso continue. E resgatar quem estiver ainda vivo. – Jesse declarou.
__- Entendo.
__- Leila, você é capaz de entender por que estamos contando tudo isto para você? – Lucio perguntou.
__- Na verdade não.
__- Esta é uma fotografia tirada no inicio da noite de hoje, no campo de treinamento externo da Genoma. – Lucio esticava o papel amassado para Leila.
__- Não... – Logo iniciou o choro ao reconhecer o rosto de sua mãe, tomado pela dor e o vazio, acorrentada a outras várias pessoas com mesmas expressões.
__Durante três dias Leila ficou abatida e perambulou silenciosa pela mansão. Os quatro jovens estavam preocupados, mas não interromperam suas rotinas de planos contra a Genoma.
__Uma semana se passou e Jesse e os outros haviam concluído o plano de invasão ao prédio da Genoma. Leila havia ouvido boa parte dos planos e decidira ir junto com eles. Jesse fora irredutivelmente contra a idéia de levar Leila, mas a menina alegou que se não fosse com eles, iria sozinha.
__A invasão foi bem sucedida. Arthur percorria o primeiro andar junto de Henri, em busca dos computadores principais. Lucio varria o primeiro subsolo, e Jesse o segundo. Leila estava com Jesse. Ainda não haviam localizado qualquer dos prisioneiros, mas já haviam passado por câmaras e mais câmaras de experimentos.
__- Jesse, veja. – Leila parou e apontou para a direita.
__- Não sabíamos disso...
__Uma escadaria revelava um terceiro subsolo. Correram lá para baixo, e uma placa luminosa anunciava “Câmaras Criogenicas”.
__Já estavam há quase 2 horas no interior da Genoma e ainda não haviam visto qualquer pessoa. Correram sem rumo pelo terceiro subsolo até se depararem com uma porta gigantesca de onde escapavam pequenas quantidades de gás frio.
__- Devem estar aqui, os prisioneiros. Temos de correr. Arthur e Henri logo vão formatar todo o sistema e não sabemos o que vai acontecer depois disso. – Jesse era rápido em digitar no pequeno teclado ao lado da porta, buscando decifrar o código de segurança.
__- Jesse, rápido... – Leila estava ansiosa.
__- Calma! – Jesse estava nervoso.
__Vinte minutos depois  uma luz verde se acendeu sobre a porta e Jesse gritou que havia conseguido. As portas de ferro começaram a se mover lentamente, deixando escapar o ar frio. Estava escuro dentro, impossibilitando que se visse algo. Quando as portas foram completamente abertas, Jesse deu um passo a dentro, levando Leila pela mão. Adentraram vários metros no escuro e no frio.
__- Espere. Tem algo errado. – Jesse parou no escuro.
__- Por que diz isso? – Leila só queria encontrar sua mãe e sair dali.
__- Pense, Leila. Não encontrarmos prisioneiros é natural, mas não vermos seguranças e pesquisadores? Este lugar está ativo, mas não há ninguém aqui!
__Mal Jesse acaba de falar fortes luzes se acenderam sobre ele, e percorreram todo o teto, acendendo uma após a outra, até que todas as luzes estivessem acesas. Jesse arregalou os olhos e Leila gritou.
__O lugar onde estavam era tão grande quanto um estádio de futebol, todo construído em metal e do teto pendiam centenas de tubos de vidro que se dispunham em fileiras. Dentro de cada tudo havia um corpo humano. Alguns pareciam apenas estátuas de cera, por sua palidez, mas alguns estavam horrivelmente desfigurados.
__- Bem-vindos à instalação sede do projeto Genoma. – Ecoou uma voz mecânica vinda de autofalantes dispostos pelo galpão. – A permanência no Arquivo não foi autorizada e as medidas de segurança estão sendo colocadas em prática.
__Jesse e Leila percorriam os corredores com espanto, ignorando a voz programada do sistema. Jesse havia parado diante de um tubo vazio, e socava o vidro com ódio, fechando os olhos. Leila aproximou-se e viu a pequena foto colada ao vidro, seguido de um nome feminino e a idade de 16 anos. Era a irmã de Jesse, e se o tubo estava vazio...
__- Está morta... – Jesse sussurrou. – Eu não consegui chegar a tempo. DROGA!
__Leila sabia que nada poderia ser dito para amenizar a dor que Jesse sentia. A menina viu o tubo onde sua mãe estava sedada e correu até lá, buscando uma forma de soltá-la. Ao olhar para a esquerda, gritou.
__- JESSE!
__O jovem correu até ela, e a encontrou assustada apontando para frente. Chorava e tremia. Seguiu a direção que ela apontava e se deparou com três tubos repletos de marcas de mãos e tomados por uma enorme quantidade de sangue. Em meio ao sangue, Lucio, Arthur e Henri estavam mortos.
__Apenas agora davam atenção à voz eletrônica que ecoava.
__- Entre com a senha de cancelamento! Trancas ativadas! Entre com a senha de cancelamento! Lacrando câmaras!
__- A PORTA! – Leila gritou, olhando as enormes portas começarem a se fechar. Correram rumo a saída abandonando todos para trás. Mas nem isso foi o suficiente. As portas se fecharam antes que qualquer dos dois conseguisse alcançá-la.
__- Liberação de Anti-Vírus! Projeto Genoma em risco! – Ecoou a voz eletrônica.
__Um gás de cor esverdeada começou a ser liberado por todo o galpão. Jesse começou a mexer no teclado ao lado da porta, sem sucesso. Leila chorava e não conseguia reagir de nenhuma forma.
__Duas horas depois a porta foi aberta e um grupo de vários homens usando jalecos brancos e mascaras de gás adentraram o local.
__- Há mais intrusos? – Dizia um.
__- Não, senhor. – Respondia o outro.
__- Ótimo. – Chutou com violência o corpo inerte de Jesse. – Peguem esses dois e joguem no incinerador. Reiniciem o sistema. Retomem as pesquisas agora mesmo.
__- Senhor, graças as medidas de segurança do sistema, perdemos muitas das cobaias.
__- Chame os outros e subam até o térreo. Tragam mais pessoas aqui para baixo.
__- Sim!
__Morte. Foi tudo o que a Genoma trouxe. As pesquisas continuaram como se nada acontecesse debaixo das ruas de Los Angeles. Os desaparecimentos continuaram com cada vez mais freqüência.

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Nota da Autora: Este conto foi escrito em Setembro de 2010 durante uma noite de insônia. Não curto muito ele, mas faz parte da minha carreira. Obrigada por ler! ^-^

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